
Segunda temporada de The Last of Us: opinião


Em 2020, o canal Zero Woolfe fez um vídeo interessante sobre adaptações. O argumento era que fazer um shot by shot do material de origem era prejudicial, pois limitava a utilização das características da mídia que busca adaptar.
O importante, segundo o vídeo, é abordar os temas principais utilizando o que o filme/série/livro tem de melhor. Nas últimas semanas, esse vídeo tem ocupado a minha cabeça, especialmente com a adaptação da segunda temporada de The Last of Us, que aborda o enredo do segundo game.
Quem são os “últimos de nós”?
A cultura pop estava saturada de produções envolvendo zumbis quando The Last of Us foi anunciado. No entanto, diferente dos jogos que estavam sendo lançados, Druckmann e Bruce Straley nos apresentaram uma história que aborda temas como saúde mental, luto, paternidade e esperança — utilizando o apocalipse como plano de fundo.
Além disso, o jogo apresentava diferentes grupos que sobrevivem à sua maneira. A FEDRA, que controlava o ir e vir dos sobreviventes, os Vagalumes, que acreditavam na cura, os Canibais, que faziam de tudo para sobreviver e algumas pessoas tentando proteger o pouco que restava. Essa abordagem mostra como essas crenças conflitavam umas com as outras e é nesse ponto que os zumbis do jogo refletem os ideais e nos mostram como podemos ficar infectados por nossas crenças. Raivosos como os Corredores, cegos como os Estaladores e, por fim, tóxicos como os Baiacus.
Joel e Ellie
Nesse contexto, os jogadores foram apresentados a Joel e Ellie, que se tornaram mascotes da PlayStation do dia para a noite. A relação de ambos, com o arquétipo de paternidade, e a estrutura de “filme de estrada”, facilitou a conexão emocional com a obra, além de, claro, um trabalho de atuação nunca feito na indústria de jogos.
A dupla representou uma virada na forma como os games abordavam suas narrativa e, junto de Telltale’s The Walking Dead, influenciou muitos títulos AAA que vieram depois.
O impacto da franquia
O cuidado com a qualidade do jogo, desde os gráficos, atuação e trilha sonora – o vencedor do Oscar, Gustavo Santaolalla, foi convidado para o jogo – renderam ao jogo mais de 200 prêmios, incluindo BAFTAs e introdução ao Writer’s Guild of America (WGA).
A continuação seguiu o mesmo caminho e foi amplamente aclamada, ao menos na crítica. O jogo dividiu opiniões e, por puro preconceito, sofreu review bomb dos jogadores, fazendo sua nota cair no Metacritic. Mesmo assim, o jogo foi outro marco narrativo, que forçou o jogador a viver diferentes crenças através da Ellie e Abby e questionar as suas próprias ao fazer isso.
Com tamanho reconhecimento, começaram rumores sobre adaptações sobre o jogo, referências em outras mídias, como no filme Logan, e em 2023, a obra chegou à televisão por meio da HBO.
The Last of Us – 1ª temporada
A primeira temporada da série apresentou poucas mudanças da obra original, se mantendo fiel aos personagens e muitas vezes usando diálogos extraídos diretamente do jogo e a dinâmica entre Pedro Pascal e Bella Ramsey funcionou.
Com exceção do terceiro episódio, que mudou totalmente o personagem Bill, para melhor, com um episódio que é mais uma tragédia shakespeariana que um drama pós-apocalíptico, e deixou a internet em frenesi.
A primeira temporada manteve-se fiel ao material de origem e apresentou a história a um público não-gamer, além de criar a expectativa necessária para aguardarem a segunda temporada.
The Last of Us – 2ª temporada
E a segunda temporada chegou. E dividiu opiniões. Quem não jogou, curtiu, quem jogou, teceu críticas a cada episódio. Pessoalmente, a série me deixou um gosto agridoce. Manteve-se fiel aos temas do material de origem: vingança, violência, ódio e, spoilers, termina na metade do segundo jogo, conforme o esperado. Portanto, vou falar apenas desta primeira parte.
O jogo apresenta uma Ellie distante, fria e impactada pela violência do mundo e por sentir-se roubada do propósito que ela acreditava ter. É um roteiro muito mais sombrio que o primeiro, um excelente trabalho de Haley Gross, e o jogador é forçado a perpetuar a violência através da vingança. Conforme avança, o clima se acinzenta, os inimigos são mais agressivos, o design de níveis mais claustrofóbico. Tudo se torna, dia após dia, mais pesado.
É a perda da inocência, uma ferramenta narrativa efetiva e com maior impacto graças à natureza interativa da mídia.
Grande parte do público que jogou esperava que a segunda temporada fosse como a primeira: mudanças pontuais para servir a mídia, mas sem mudar os personagens. Bom, não foi isso o que aconteceu.
A série traz uma Ellie muito menos sombria, com poucas exceções, e uma Dina (Isabela Merced) que rouba a cena. No entanto, é preciso ser justo e dizer que os temas centrais da obra se mantêm presentes, mesmo com as mudanças nos personagens.
Conversando com alguns amigos, me parece que a série buscou atingir uma geração diferente da que jogou o game, a Gen Z, e, honestamente, muitas pessoas dessa faixa etária me contaram que gostaram da representação da personagem. Logo, um acerto.
Além disso, mostrar a defesa de Jackson no segundo episódio foi outro acréscimo positivo feito pela série. O aprofundamento no personagem do Jesse, uma liderança em Jackson, também me parece um acerto, e muitas cenas são carregadas de uma beleza melancólica, como a cena do café no túmulo de Joel e a despedida de Ellie na casa dele.
Mesmo com tantos acertos, o caminho que a série escolheu para contar a história, faz com que o propósito narrativo seja amenizado. Existem muitos diálogos expositivos que parecem questionar a capacidade do público de entender nuances. Talvez esse tipo de diálogo seja do gosto de Mazin, funcionou em Chernobyl, mas não aqui.
As constantes piadas contadas por Ellie destoam, muitas vezes parecia que não era uma jornada em busca de vingança. Talvez seja uma forma de amenizar a brutalidade do mundo, mas a própria temporada fez isso de maneira sutil e eficaz: a festa de fim de ano e a cena com o violão, por exemplo.
Veredicto
Faltou coragem na segunda temporada de The Last of Us, algo estranho de dizer quando de uma série da HBO. A série amenizou muitas cenas, retiraram trechos importantes e os melhores momentos foram releituras do jogo. Os acréscimos da série e mesmo os bons episódios não tiram o gosto amargo que o resultado trouxe.
É injusto comparar a série com o jogo, são duas produções distintas, mas com o impacto que o jogo teve, se dificulta não fazer isso. Mesmo assim, a série foi um sucesso de audiência e conversou com quem buscava conversar, logo, a minha decepção é unicamente por ter altas expectativas, especialmente depois de uma ótima primeira temporada.
Agora é esperar a terceira temporada e voltar ao dia 1 de Seattle.